terça-feira, 15 de novembro de 2011

crime inafiançável



Certa vez ouvi o relato emocionado de um primo que teve uma experiência desconcertante com seu filho, que na época devia ter cinco anos ou menos.

Mas o que me chamou mais a atenção foi a simplicidade realista do argumento que o então menino, usou para mostrar o seu ponto de vista.

A feira livre de sábado no bairro onde eles moram, vendia naquela época - não sei se ainda vende - pintinhos e a avó do meu priminho comprou dois para presentear o neto. Um amarelinho e o outro pretinho.

Levados pra casa, as avezinhas se adaptaram logo ao espaço do quintal, ao gato e ao cachorro que a minha tia também criava por lá e só entravam em casa para dormir na sua caixinha de papelão quentinha..

Meu priminho achava o máximo aqueles bichinhos fofinhos que não paravam de piar e que viviam sempre carregados pelas mãozinhas do seu dono para cima e para baixo.

Porém, ambos não eram muito bem-vindos pelos outros moradores daquela casa, que sempre lembravam ao menino que não queriam pintos dentro de casa se não fosse para dormir, que eles cagavam onde não devia, que piavam o tempo inteiro, que eram nojentos e etc.

Até que um dia, o pintinho preto, não sei por que cargas d'água, resolveu se aventurar dentro de casa e como era minúsculo, o pai do meu priminho, não o viu e, acidentalmente, pisou no pobre animal, terminando por matá-lo.

Daí segue o diálogo cômico-dramático, que apesar de não ter presenciado, nunca mais esqueci:

_ Pai, o que você fez?
_ Foi sem querer, filho. Eu estava saindo do banheiro, ele estava no caminho e eu não vi...
_ Você matou o Pretinho!!!
_ Mas foi sem querer...
_ Mentira! Você nunca gostou dele...
_Que isso, filho? Eu não matei porque eu quis, foi sem querer.
_ Você matou ele porque ele era preto! -  já fazendo beicinho.
_ De onde você tirou essa idéia?
_ Ele não tinha culpa de ter nascido preto, coitadinho... - dizia entre soluços.
_ Eu compro outro pintinho preto para você depois.
_ Ele gostava de ser preto...
_ Mas eu não vi, juro...
_ Eu gostava dele...

O menino ficou inconsolável.

Nessa altura, a mãe e a avó tentaram explicar que o pai não teve culpa, que foi uma fatalidade...
E o que começou engraçado, acabou comovendo a todos com a revolta, tristeza e inconformidade do menino.

Para o ele, na sua cabecinha de criança, isso já era um crime inafiançável.

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